ESQUECIMENTO...(A ULTIMA VIAGEM)


Eis que vós, aqueles a que amou, são sombras a habitar sonhos que são o nada

que habita lembranças, tal rocha de entalhes que ondas de uma revolta praia

vão consumir, das faces, que traços se apagam, e são pois sombras, além da

luz do existir e estão lá, ocultas e de escarnio sorriem a tola fraqueza em

mantê-las vivas quando são pois coisas mortas e que se arrastam amarradas a

tuas esperanças, essas coisas presas a carne, que o tempo, lento ou voraz, 

consome e mata lentamente levando consigo pedaços da própria existência...


E por que sangram os olhos e arde o peito que queria pois estar calado, 

que nenhuma voz ousasse dizer no vazio nomes que não se deve proferir,

já não pode ouvir a voz dos espinhos, feridas que se diziam amigas, necessárias, 

como torcer infeliz punhal que cravado esta no inerte peito do que esta

caído, que não se levanta, que luta erguer-se, ser relva e não deserto,

ser calmaria e não tempestade, ser caricia e não agressor, o que está morto

ousa sonhar e acordar em trevas tantas, a luz que se distancia e despreza-o,

o que ousa pisar a sepultura de suas crenças, estando ele, morto ali...


Eis que vós, como ousam estar neste funeral, gargalhar e escarnecer o corpo

que jaz sereno em seu repouso, suas vozes que grasnam tolices e mentiras, 

falam do que não conhecem, opinam de suas ignorâncias, apontam seus dedos,

julgam, condenam e absolvem em suas magnânimas podridões como inocentes que

não o são e pouco demais para dizerem-se vilões, não, o ódio não voz alimenta, 

a dor não traz a redenção toda, vê o corpo, não desviai vossos olhos dele, vê a

mordaça a calar a voz do que já não pode mais falar, a negra corda, vê a sombra

de um corpo inerte que balança no vazio...


Eis que então, tocais a mão do que repousa e vê o frio de seus dedos, seus

olhos estão cerrados, tua boca não sorri ou chora, nenhuma lágrima desce a 

face, ele repousa, ele descansa, ele viaja, navega, voa, mergulha, desaparece,

algo que não se pode tocar, chamar, esperar, esta muito além, vai ao longe,

não podem mais acusá-lo, traí-lo, ama-lo, despreza-lo, ele esta alem, parece

que um leve sorriso se ouve oculto entre o vento que chega, felicidade, essa

impossibilidade, é um lampejo fugaz, um raio que rasga os céus quando as luzes

apagam-se e o silêncio, ele reverencia e sussurra, descanse agora, descanse...


E lá, onde os olhos não alcançam e a imaginação ousa dar forma, em uma tarde

de um sol que não queima, um frio vento que não arrepia, um nome esta a ser 

esquecido, uma face sem marcas, um coração sem máculas, uma alma branca

despida da carne que condenada nasce, de uma escolha imposta a mão que açoita,

e na noite insone, quando a respiração não ofega, não ânsia ar, só, silencia,

o cortejo humano carrega, ora, pranteia, ignora, acovarda-se e confessa um

inexistente amor que só a si mesmos dedicam, e lá, onde os olhos não veem, 

um nome é esquecido, se apaga, cinzas, farrapos e mais nada, mas, lá,

uma alma repousa, resigna e sorri, enfim, já não podem mais lhe ferir...

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